Estética de rodoviária é o nome de um projeto que surgiu quando a artista Carla Magalhães percorreu de ônibus uma parte extensa do Brasil, de Porto Alegre a Goiânia. Ela viajou lendo textos de estética para uma disciplina do pós-graduação que cursava na época. Durante a viagem, algumas questões iam surgindo, e ficando sem resposta. Por exemplo, que relação havia entre aquilo que se estuda e aquilo que se vive. Onde está a estética no cotidiano? Onde, em lugares como uma rodoviária? Lugares feitos de concreto, ângulos retos, falta de conforto, cheiro de fritura, cigarro, combustível. Vai e vem ininterrupto, gente chegando, partindo, se encontrando, dizendo tchau. Que lugar é este e que estética é essa, que parece enclausurada nos livros?
Foi com tais perguntas que Carla me chamou para gravar um vídeo falando em estética, em Plotino, no belo, na conversão. Vídeo este que seria exibido justamente na rodoviária, junto com fotos, esculturas, livros, enfim, em meio a uma instalação de arte. De imediato me ocorreu que falar disso, neste lugar específico, seria algo no mínimo estranho. Mas estranha já era a filosofia antiga grega e romana...
De fato, filosofia era antes de tudo um modo de vida, que implicava em uma ruptura com as condutas da vida cotidiana. Os epicuristas, por exemplo, levavam uma vida frugal, e no seu círculo filosófico havia total igualdade entre homens e mulheres, e inclusive entre as mulheres casadas e as cortesãs. Os autores cômicos não cansaram de mostrar os filósofos como pessoas esquisitas e, quiçá, perigosas... Sócrates é alvo do escárnio de Aristófanes. O mesmo Sócrates que figura como personagem dos diálogos platônicos. Sócrates é deslocado e bizarro porque é filósofo. E filosofia etimologicamente nada mais é do que amor pela sabedoria. Mas a sabedoria, segundo Platão, é estranha ao mundo; ela é divina. Por isso o filósofo é um tipo estranho.
A estranheza da filosofia antiga, e ainda mais da filosofia do belo, me fez pensar que este vídeo seria uma espécie de pausa. Um momento de parada daquele ritmo cotidiano da rodoviária. Silêncio, distância, incompreensão, solidão. Tudo o que contrasta com o movimento do lugar onde o vídeo seria apresentado. Há muita informação visual e sonora na rodoviária. Portanto o vídeo teria um cenário bem oposto, em meio a um jardim. Foi assim que gravamos a primeira parte, no jardim de um museu, em um dia frio e úmido.
Confesso que o começo foi de improviso. Que me interessava também experimentar. Ver quais as impressões toda essa esquisitice suscitaria em mim, na própria Carla e na pessoa que gentilmente ofereceu seu tempo, sua imagem, seu nome e seu trabalho para gravar o vídeo conosco. E é claro, leitor, que você saberá aguardar o momento certo para descobrir quem é. E que vídeo é esse. E que projeto é esse.
L.