Viagens
Alain (1868-1951)
Neste tempo de férias, o mundo está cheio de pessoas que correm de um espetáculo a outro, evidentemente com o desejo de ver muitas coisas em pouco tempo. Se for para falar a respeito, nada melhor, pois é preferível ter muitos nomes de lugares para citar; isso preenche o tempo. Mas se é para si e para realmente ver, eu não as compreendo bem. Quando se vê as coisas correndo, elas se assemelham muito. Uma cachoeira é sempre uma cachoeira. Assim, aquele que percorre o mundo com grande velocidade não é muito mais rico de lembranças no fim do que no começo.
A verdadeira riqueza dos espetáculos está no detalhe. Ver é percorrer os detalhes, parar um pouco em cada um e, novamente, apreender o conjunto em uma olhada. Eu não sei se os outros podem fazer isso rápido e correr para outra coisa e recomeçar. Quanto a mim, eu não o saberia. Felizes aqueles de Rouen que, cada dia, podem dar uma olhada para uma coisa bela e aproveitar Saint-Ouen, por exemplo, como um quadro que se tem em casa.
Enquanto que, se passamos em um museu uma única vez ou em um país como turista, é quase inevitável que as lembranças se confundam e formem, enfim, uma espécie de imagem cinzenta com linhas confusas.
Para meu gosto, viajar é fazer ao mesmo tempo um metro ou dois, parar e olhar novamente um novo aspecto das mesmas coisas. Frequentemente sentar-se um pouco à direita ou à esquerda muda tudo, e bem melhor do que se faço cem quilômetros.
Se eu vou de cachoeira em cachoeira, eu encontro sempre a mesma cachoeira. Mas se eu vou de pedra em pedra, a mesma cachoeira torna-se outra a cada passo. E se eu volto a uma coisa já vista, na verdade ela me toma mais do que se fosse nova, e realmente ela é nova. Trata-se somente de escolher um espetáculo variado e rico, a fim de não dormir no costumeiro. Ainda é preciso dizer que, na medida em que se sabe ver melhor, um espetáculo qualquer encerra alegrias inesgotáveis. E depois, em todo lugar, se pode ver o céu estrelado; eis um belo precipício.
(29 de agosto de 1906)
Quem foi Alain?
Sob o pseudônimo Alain, o filósofo e jornalista francês Émile Chartier (1868-1951) passa a publicar a partir de 1900. Inicialmente, escreveu crônicas para La dépêche de Lorient. A partir de 1906 ele começa a publicar em La dépêche de Rouen seus Propos, artigos breves que constituem o gênero literário através do qual será conhecido.
Alain era pacifista. Não obstante, por causa dos seus deveres como cidadão, alistou-se como voluntário na Primeira Guerra Mundial. Ao retornar da guerra, com seqüelas físicas que resultaram na incapacidade de se locomover, além de dores intensas durante a vida toda, Alain prossegue seu trabalho de escritor, publicando alguns dos seus mais conhecidos ensaios: os tratados sobre artes e estética (Système des Beaux-arts, rédigé pour les artistes en vue d’abréger leurs réflexions préliminaires – 1920) e também um violento ataque à guerra, intitulado Mars ou la guerre jugée. Até o final dos anos 30 sua intensa produção intelectual é marcada pela luta política em favor da paz e contra o fascismo crescente. Após a Segunda Guerra, talvez por ter perdido suas esperanças pacifistas, Alain vai abandonando os temas políticos e dirigindo-se cada vez mais à literatura.
O pequeno artigo, que traduzi e publiquei inicialmente no site
faz parte de Propos sur le bonheur, um conjunto de 60 artigos curtos publicado em 1925.
(Tradução e breve apresentação por Loraine Oliveira)