blog que trabalha com teorias estéticas, filosofia e filosofia da arte. procura abordar signos do nosso dia a dia e como a arte é inserida no popular.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
fonte de texto e imagem : INTERNET (texto de Marco Antônio Oliveira de Azevedo)
RAZÕES PARA AGIR (OU COMO LEWIS
CARROLL NOS AJUDOU A ENTENDER
TAMBÉM OS RACIOCÍNIOS PRÁTICOS)
Marco Antônio Oliveira de Azevedo*
RESUMO – Neste artigo, procuro extrair algumas
conseqüências da lição de Lewis Carroll sobre a
diferença entre premissas e regras de inferência
no tocante aos raciocínios práticos. Meu questionamento
dirige-se à clássica suposição formalista
contida na famosa “Lei de Hume”, a saber, a
regra formulada, dentre outros, por Richard Hare,
de que é logicamente impossível derivar-se uma
conclusão moral prática apenas de premissas
fatuais. Na primeira parte deste artigo, proponho
que o leitor imagine-se numa situação hipotética,
na qual adota uma postura evasiva mesmo diante
de razões prima facie suficientes para tomar uma
certa decisão. A situação apresentada é uma
versão do “análogo prático”, engenhosamente
construído por G. F. Schueler, ao clássico paradoxo
de Lewis Carroll, contido em sua conhecida
e genial estória da disputa entre Aquiles e a
Tartaruga, publicada originalmente na revista
Mind, em 1895. Na segunda parte, relembro e
brevemente analiso a fábula carrolliniana, comparando-
a com a versão prática de Schueler, discutindo
suas analogias e dessemelhanças. Na
terceira parte, mostro como as duas estórias são
capazes de nos ajudar a desvendar alguns malentendidos
sobre o raciocínio prático e sobre suas
imbricações com a ética, em especial, com a
conhecida tese de que de fatos não derivamos
normas. Pretendo mostrar como essa famosa tese
é vítima do mesmo vício formalista denunciado
por Lewis Carroll, a saber, que é fruto de entendimentos
equívocos acerca dos papéis que
podem ser desempenhados por uma norma em...
um raciocínio prático, isto é, que, primariamente,
normas, na condição de regras práticas, não figuram
propriamente como premissas, e sim como
regras especiais ou materiais de inferência. Se
minha tese for verdadeira, então a alegação de
que não podemos derivar “normas” de “fatos”
resulta, na verdade, de um mal-entendido. Na
última parte do artigo, destaco algumas outras
confusões acerca do significado do termo ‘dever’
tal como esse termo é empregado usualmente em
conclusões de raciocínios práticos. Numa referência
a Stanley Cavell, sustentarei que o termo
‘dever’ serve-nos, nessa condição, de modo de
apresentação do conteúdo das premissas que
temos ou das razões que oferecemos para agir de
uma certa maneira. Sendo assim, o termo ‘dever’,
que usamos para apresentar a conclusão de um
raciocínio prático, não pode ser interpretado, de
maneira simplista (tal como fazem os defensores
de visões kantianas sobre a ética), como tendo o
mesmo sentido que o termo ‘obrigação’, cujo
significado é mais estrito.
ABSTRACT – In this article, I look for some
consequences of the lesson of Lewis Carroll of
the difference between premises and rules of
inferences in practical reasonings. My complaint
is against the classical and formalist supposition
contained in the famous “Hume’s Law”, that is,
the rule, formulated, beside others, by Richard
Hare, that it is logically impossible to derive a
practical moral conclusion from (and only from)
factual premises. In the first part of this article, I
will invite the reader to imagine himself in a
hypothetical situation, where he adopts a evasive
attitude even in face of prima facie and sufficient
reasons for a certain decision. The situation is a
version of the “practical analogue” ingeniously
created by G. F. Schueler to the Lewis Carroll’s
classical story of Aquiles and the Tortoise,
originally published in Mind, 1895. On the second
part, I’ll show how the two stories can help us in
exposing some misunderstandings of practical
reasonings and its implications for ethics, in
special, with the famous thesis that from facts we
cannot infer norms. I’ll intend to show how this
thesis is victim of the same formalist error
exposed by Lewis Carroll, to wit, that it is a
product of equivocal suppositions about the roles
of norms in practical reasonings, that is, that,
primarily, this norms, as practical rules, occur in
arguments not as premises, but as special rules
(or material rules) of inference. If my thesis would
be correct, then the claim that we cannot infer
“norms” from “facts” results, indeed, from a
misunderstanding. In the last part, I’ll show some...other confusions about the meaning of the term
‘ought’, as used in conclusions of practical
reasonings. Following Stanley Cavell, I’ll sustain
that the term ‘ought’ is used, in this cases, as a
mode of presentation of the content of the
premises we have (or of the reasons we have) to
act in a certain way. The term ‘ought’, as used to
present the conclusion of a practical reasoning,
cannot be interpreted, in a simplistic manner (in
the way done by the supporters of a kantian
conception of ethics), as having the same
meaning of the term ‘obligation’ (that have a
more rigorous meaning).
If a man have a lively sense of honour and virtue, with moderate passions, his conduct
will always be conformable to the rules of morality; or if he depart from them, his return
will be easy and expeditious. On the other hand, where one is born of so perverse a
frame of mind, of so callous and insensible a disposition, as to have no relish for virtue
and humanity, no sympathy with his fellow-creatures, no desire of esteem and
applause; such a one must be allowed entirely incurable, nor is there any remedy in
philosophy.
David Hume
Hume D. ‘The sceptic’ (1742), em Essays, p. 169
* Professor de Filosofia no IPA, Porto Alegre, e Médico.
PALAVRAS-CHAVE – Razões práticas.
Racionalidade prática. Raciocínios morais.
Raciocínios práticos. Lewis Carroll. David Hume.